BUSCAR JUSTIÇA EM BENEFICIO DOS DIREITOS DA CATEGORIA ATRAVÉS DE DENUNCIAS SOBRE IRREGULARIDADES COMETIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Páginas
▼
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
A JUSTIÇA BR NEM SEMPRE SOCORRE A QUEM PRECISA DOS SEUS DIREITOS RESPEITADOS......OBSERVEM.....
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0034848-30.2008.8.19.0001
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
APELADO: EMPRESA MUNICIPAL DE VIGILÂNCIA – GUARDA
MUNICIPAL
APELADO: COMLURB - COMPANHIA MUNICIPAL LIMPEZA
URBANA
APELADO: SISGUARIO- SINDICATO DOS SERVIDORES DA
GUARDA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
APELADO: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
RELATORA: DESEMBARGADORA CLAUDIA TELLES
Apelação cível. Ação civil pública. Alegação de
inconstitucionalidade dos artigos 3 e 6° Lei
Municipal n.° 1887/92, que autorizou a criação
da Guarda Municipal. Absorção pela guarda
municipal dos empregados admitidos por
concurso para as funções de agente de
vigilância da Comlurb. Convênio firmado
entre a Comlurb e a EMV – Guarda Municipal
que concretizou a transferência. Ato celebrado
14 anos antes do ajuizamento da ação. Situação
consolidada no tempo. Observância ao
princípio da segurança jurídica como tradução
do Estado de Direito. Precedentes STF E STJ.
Preservação das contratações que se impõe.
Negado provimento ao r
2
Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em
negar provimento ao recurso.
CLAUDIA TELLES
DESEMBARGADORA RELATORA
RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público
do Estado do Rio de Janeiro em face de Empresa Municipal de Vigilância –
Guarda Municipal, Comlurb - Companhia Municipal Limpeza Urbana,
Sisguario- Sindicato Dos Servidores Da Guarda Municipal Do Rio De
Janeiro e do Município do Rio de Janeiro.
Alega, em síntese, que a Lei Municipal n.° 1887/92, que
autorizou a criação da Guarda Municipal, a ser administrada pela Empresa
Municipal de Vigilância, incidiu em flagrante inconstitucionalidade ao
prever que a referida empresa Municipal seria constituída por cisão da
Comlurb, e que os empregados admitidos por concurso para as funções de
agente de vigilância da Comlurb seriam por ela absorvidos (artigos 3 e 6°).
Afirma que com fundamento na Lei Municipal 1887, foi
celebrado um convênio entre Comlurb - Companhia Municipal de Limpeza
Urbana e a Empresa Municipal De Vigilância S/A- Guarda Municipal, com
a interveniência do Sindicato Dos Servidores Da Guarda Municipal –
Sisguario, cujo objeto foi a transferência dos contratos de trabalho dos
agentes de vigilância contratados pela Comlurb para exercerem as funções
de Guardas Municipais, violando o princípio do concurso público.
Postula a declaração incidental da inconstitucionalidade dos
artigos 6º, caput e parágrafo único, da Lei Municipal n.° 1887/92 e i) a
concessão de liminar para suspender a eficácia de todo e qualquer ato
destinada ao provimento do cargo, emprego ou função no âmbito da
Empresa Municipal de Vigilância- Guarda Municipal, que tenha se
fundamentado no convênio celebrado com a Comlurb ou decorra da
transposição dos ocupantes de cargos ou empregos cujas atribuições
estivessem compreendidas no dispositivo do art. 15 da Lei Federal n.°
7102, de 20 de junho de 1983, e que estivessem em exercício na
administração direta, indireta ou fundacional, sendo imediatamente
3
afastados todos aqueles que ingressaram por estas vias; ii) Seja anulado o
convênio celebrado entre a Comlurb e a Empresa Municipal De VigilânciaGuarda
Municipal, com a interveniência do Sisguario, por flagrante
incompatibilidade da lei que o fundamentou com os dispositivos
constitucionais antes citados; iii) sejam anulados todos os atos
administrativos destinados ao provimento de cargo, emprego ou função no
âmbito da Empresa Municipal de Vigilância- Guarda Municipal que tenha
se fundamentado no convênio celebrado com a Comlurb ou cujo
preenchimento tenha decorrido de transposição dos ocupantes de cargos ou
empregos cujas atribuições estavam compreendidas no dispositivo do art.
15 da Lei Federal n.° 7102, de 20 de junho de 1983, que estavam em
exercício na administração direta, indireta ou fundacional; iv) A
condenação do Município e da Guarda Municipal à obrigação de não
realizar ato destinado ao provimento do cargo, emprego ou função no
âmbito da Empresa Municipal de Vigilância- Guarda Municipal, através de
transposição, e sem a prévia realização de concurso público específico,
sobretudo através de convênio, contrato ou outro pacto de natureza
assemelhada, salvo nas hipóteses admitidas pela Constituição da República,
sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), sem
prejuízo das demais penas previstas em lei.
Manifestação do Município às fls. 132/143 no qual apresenta
impugnação do pedido liminar, arguindo a incompetência da Justiça
Estadual para processamento e julgamento do feito e a competência da
Justiça do Trabalho, além da ilegitimidade ativa do Ministério Público
Estadual. Alega que a pretensão foi alcançada pela prescrição, uma vez que
a Lei Municipal n° 1.887, foi publicada em 27 de julho de 1992, e o
convênio firmado em 07/12/1994, tendo sido a ação ajuizada apenas em
15/02/2008. Sustenta que o pedido liminar não merece acolhimento diante
da ausência de verossimilhança dos fatos alegados, ressaltando que o tema
já restou examinado e decidido pelo Órgão Especial deste Tribunal de
Justiça, por ocasião do julgamento, em 12/03/2007, das Representações por
Inconstitucionalidade nos 2003.007.00146 e 2003.007.00109, ajuizadas
respectivamente pelo Ministério Público Estadual e pelo Partido Comunista
Brasileiro.
Manifestação da SISGUARIO às fls. 163/170 impugnando o
pedido de concessão de liminar. Argui, em preliminar, a incompetência da
Justiça Estadual para processamento e julgamento do feito e a competência
da Justiça do Trabalho, além da ilegitimidade ativa do Ministério Público
Estadual. No mérito, sustenta que não resta configurada a urgência da
medida, uma vez que o ato impugnado já está plenamente oficializado há
4
16 anos. Alega, ainda, que a constitucionalidade da Lei Municipal n° 1.887
foi confirmada pelo TJRJ, por ocasião do julgamento das Representações
por Inconstitucionalidade 2003.007.00146 e 2003.007.00109.
Manifestação da COMLURB às fls. 173/176 impugnando a
concessão da liminar. Argui, em preliminar, a ocorrência da prescrição. No
mérito, sustenta que com a cisão na estrutura organizacional da Comlurb,
sua área de fiscalização passou a ser exercida pela Guarda Municipal, pelo
que se fez necessário que os integrantes dessa estrutura fossem igualmente
transferidos. Alega que caso essa providencia não tivesse sido adotada, a
Comlurb ficaria com cerca de 1 milhão de servidores sem função, enquanto
a Guarda Municipal teria que contratar o mesmo número de servidores, em
detrimento dos interesses econômicos da Administração Pública. O mesmo
se diga em relação a todos os No que toca aos demais ocupantes de cargo,
como citado no artigo 6º, § único da Lei 1887/92, esclarece que sequer
houve transposição porque esses estão, exclusivamente à disposição da
empresa municipal de vigilância mantida sua vinculacão original.
Manifestação da EMV às fls. 196/201 arguindo preliminar de
ilegitimidade ativa e incompetência do Juízo, uma vez que a ação deveria
ter sido proposta perante a Justiça do Trabalho. Argui, ainda, a ocorrência
da prescrição.
Contestação do Município do Rio de Janeiro às fls. 247/260 na
qual reitera os argumentos lançados na impugnação de fls. 132/143.
Contestação do SISGUARIO às fls. 281/293 na qual reitera os
argumentos lançados às fls. 163/170 e esclarece que sua participação no
convênio firmado entre a Comlurb e a Guarda Municipal se deu com a
finalidade de obter o consentimento dos empregados transferidos da
empresa cindida para a empresa criada, em atenção ao art. 48 da CLT.
Aduz que não há se falar em transposição e sim em sucessão trabalhista.
Contestação da EMV às fls. 295 reiterando os termos da
manifestação de fls. fls. 196/201.
Réplica às fls. 323/356.
Contestação da COMLURB às fls. 368/378 reiterando os
termos da manifestação de fls. 173/176.
Manifestação da EMV às fls. 389, na qual informa sua
5
extinção pela Lei Complementar nº 100/2009, com a criação da Guarda
Municipal do Rio de Janeiro – GM-RIO, que passou a assumir todos os
direitos e obrigações da extinta empresa.
Sentença às fls. 454/461 acolhendo a preliminar de prescrição
e julgando o feito extinto com resolução de mérito.
Apelação do Ministério Público às fls. 495/508 postulando a
reforma da sentença para que sejam condenados os réus ao ressarcimento
do erário e ao desfazimento das consequências decorrentes do convênio
celebrado entre as partes.
Contrarrazões às fls. 512/517.
Parecer da Procuradoria de Justiça às fls. 575/585 opinando
pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Compulsando os autos verifica-se que a pretensão do
recorrente, autor da ação, dirige-se a anulação de todos os atos
administrativos destinados ao provimento de cargo, emprego ou função no
âmbito da Empresa Municipal de Vigilância – Guarda Municipal, que
tenham se fundamentado no convênio celebrado com a COMLURB ou
cujo preenchimento tenha decorrido de transposição dos ocupantes de
cargos ou empregos cujas atribuições estavam compreendidas no
dispositivo do art. 15 da Lei Federal n° 7102, de 20 de junho de 1983, que
estavam em exercício na administração direta, indireta ou fundacional.
A causa de pedir está relacionada aos efeitos da Lei Municipal
n° 1887/92 e ao convênio que obteve a anuência dos empregados para a sua
transferência para a Empresa Municipal da Vigilância.
A Lei Municipal n° 1.887/1992, alterada pela Lei n°
2.612/1997, autorizou a criação da Guarda Municipal que seria
administrada pela Empresa Municipal de Vigilância.
A legislação municipal autorizou, ainda, que a Empresa
Municipal de Vigilância fosse constituída pela cisão da COMLURB. Em
decorrência da cisão, os empregados admitidos por concurso público para
6
as funções de agente de vigilância da COMLURB seriam absorvidos pela
Empresa Municipal de Vigilância - Guarda Municipal, nos termos dos
artigos 3º e 6° da Lei municipal n ° 1.887/1992:
Art. 3°. Fica o Poder Executivo autorizado a criar, mediante
cisão da Companhia Municipal de Limpeza Urbana -
COMLURB, a empresa pública denominada Empresa
Municipal de Vigilância, a ser constituída na forma de
sociedade anônima, vinculada ao Gabinete do Prefeito e com
sede e foro na Cidade do Rio de Janeiro.
Art. 6°. Os empregados admitidos por concurso para as
funções de Agente de Vigilância da Companhia Municipal de
Limpeza Urbana - COMIURB – serão absorvidos pela
Empresa Municipal de Vigilância, a qual exercerá com
exclusividade em toda a administração municipal as atividades
previstas no art. 1°, I.
Parágrafo Único. Os servidores admitidos por concurso pela
administração direta, indireta ou fundacional, ocupantes de
cargos ou empregos cujas atribuições estejam compreendidas
no disposto no art. 15 da Lei Federal n° 7.102, de 20 de junho
de 1983, ficarão à disposição da Empresa Municipal de
Vigilância, observado o disposto no art. 192 da Lei Orgânica
do Município. Grifos nossos
Assim, os funcionários agentes de vigilância da COMLURB e
os servidores admitidos por concurso pela administração direta, indireta ou
fundacional, ocupantes de cargos ou empregos cujas atribuições eram
atinentes à prestação de serviços de vigilância e de transporte de valores
foram aproveitados pela Empresa Municipal de Vigilância.
O Ministério Público alega que essa absorção dos funcionários
da COMLURB pela Guarda Municipal teria se dado em afronta ao
princípio do concurso público. Com base nesse argumento, visa
desconstituir e cancelar a transferência dos empregados, concretizada por
meio do convênio firmado entre a COMLURB e a Empresa Municipal De
Vigilância - Guarda Municipal, com a interveniência do SISGUARIO.
Ocorre que a ação foi ajuizada quatorze anos após a
celebração do referido convênio, firmado em 07.12.1994.
Neste sentido, considerando o lapso temporal transcorrido
desde o ato impugnado e as consequências jurídicas consolidadas pelo
decurso do tempo, entendo que a questão passa necessariamente pela
abordagem do princípio da segurança jurídica.
7
Sobre o tema José Afonso da Silva leciona que:
Nos termos da Constituição a segurança jurídica pode ser
entendida num sentido amplo e num sentido estrito. No
primeiro, ela assume o sentido geral de garantia, proteção,
estabilidade de situação ou pessoa em vários campos,
dependente do adjetivo que a qualifica. Em sentido estrito, a
segurança jurídica consiste na garantia de estabilidade e de
certeza dos negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam
de antemão que, uma vez envolvidas em determinada relação
jurídica, este se mantém estável, mesmo se modificar a base
legal sob a qual se estabeleceu. 1
Acerca da aplicação do princípio da segurança no campo do
direito administrativo, essas são as lições de Celso Antônio Bandeira De
Mello:
Por força mesmo deste princípio (conjugadamente com os da
presunção de legitimidade dos atos administrativos e da lealdade
e boa-fé), firmou-se o correto entendimento de que as
orientações firmadas pela Administração em dada matéria não
podem, sem prévia e pública notícia, ser modificadas em casos
concretos para fins de sancionar, agravar a situação dos
administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal sorte que só se
aplicam aos casos ocorridos depois de tal notícia.2
Na Lei 9.784/99 o princípio da segurança jurídica encontra-se
expressamente previsto no art. 2º:
“Art. 2o
A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos
princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência.”
Grifos nossos
Não por outra razão, os art. 54 da Lei 9.784/99 e 1º do Decreto
20.910/32, estabelecem a decadência do direito da administração de rever
os próprios atos e a prescrição de pretensões em face da Fazenda Pública:
1
SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Org.).
Constituição e segurança .
2
BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 112
8
“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos
administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os
destinatários decai em cinco anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de
decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer
medida de autoridade administrativa que importe impugnação à
validade do ato.”
“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos
Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a
Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua
natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou
fato do qual se originarem.”
No âmbito municipal, destaca-se o disposto no art. 68, do
Decreto nº 13.150/94, que consolida as normas de procedimento
administrativo no Município do Rio de Janeiro:
“Art. 68. As decisões do que já não caiba recurso nem pedido
de reconsideração encerram a instância administrativa.
§ 1° As decisões de que trata o "caput" deste artigo, poderão,
entretanto, ser revistas de oficio ou a requerimento do
interessado, nos casos previstos neste Decreto, observada a
prescrição qüinqüenal.”
Confirmando que a decadência do direito de anular da
administração revela-se como concretização do princípio da segurança
jurídica, Couto e Silva afirma que o decurso do tempo acarretará a extinção
do próprio direito da administração publica de pleitear a anulação do ato
administrativo, seja na esfera judicial ou por meio do exercício do poder de
autotutela. 3
Como corolário do princípio constitucional da segurança
jurídica, que representa um dos pilares do Estado de Direito, surge, então,
sua acepção subjetiva, traduzida pelo princípio da confiança legítima.
Sobre o tema, Couto e Silva esclarece que o princípio da
proteção à confiança impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua
3
Almiro Couto e Silva, O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público
Brasileiro e o Direito Administrativo Pública de Anular seus próprios Atos Administrativos: o prazo
decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista de Direito
Administrativo nº 237, 2004, p. 277/278.
9
conduta e de modificar atos que produzam vantagens para os destinatários,
mesmo quando ilegais, sempre em virtude da crença gerada nos
administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram
legítimos.
Nas palavras de Gustavo Binenbojm “havendo a
Administração (ou qualquer outro órgão público) concorrido comissiva ou
omissivamente para a aparência de legalidade da situação, deverá honrar
a legítima confiança depositada pelos particulares que orientaram sua
conduta por atos praticados por esses agentes.” 4
Na legislação estadual, o princípio da confiança legítima
encontra-se expressamente previsto no art. 2º da Lei 5.427/2009.5
Desse modo, diante de fatos consumados, irreversíveis ou de
reversão possível, mas comprometedora de outros valores constitucionais,
deve o julgador ponderar os bens jurídicos em conflito, optando pela
providência menos gravosa ao ordenamento jurídico como um todo, ainda
que dela possa resultar a manutenção de uma situação originariamente
ilegítima.
Esse o entendimento já esposado pelo Supremo Tribunal
Federal, que acolheu expressamente a existência do principio da proteção
da confiança no julgamento do MS nº 22.357/DF, que envolveu a discussão
acerca da admissão, sem concurso público formal, de empregados públicos
pela INFRAERO. Vejamos:
Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da
União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infraestrutura
Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público.
Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em
conformidade com a legislação vigente à época. Admissões
realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas
por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4.
Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da
liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da
observância do princípio da segurança jurídica enquanto
subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de
estabilidade das situações criadas administrativamente. 6.
Princípio da confiança como elemento do princípio da
4
Binenbojm, Gustavo. Temas de Direito Administrativo e Constitucional. São Paulo: Renovar, 2008
5
“Art. 2º O processo administrativo obedecerá, dentre outros, aos princípios da transparência,
legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, impessoalidade, eficiência, celeridade, oficialidade, publicidade,
participação, proteção da confiança legítima e interesse público.” Grifou-se
10
segurança jurídica. Presença de um componente de ética
jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito
público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e
excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização
de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da
Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a
existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à
exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso
público no âmbito das empresas públicas e sociedades de
economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período
de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das
contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança
deferido. (MS 22357 / DF - Relator(a): Min. GILMAR
MENDES – Julgamento: 27/05/2004)
No mesmo sentido o seguinte precedente do Superior Tribunal
de Justiça:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
ADMINISTRATIVO. ENQUADRAMENTO DE
PROFESSORA DO ESTADO DE TOCANTINS, COM
BASE EM ASCENSÃO FUNCIONAL. LEI ESTADUAL
DE TOCANTINS 351/92, POSTERIORMENTE
REVOGADA. NORMA INCONSTITUCIONAL. ATO
PRATICADO SOB OS AUSPÍCIOS DO ENTÃO
VIGENTE ESTATUTO DO MAGISTÉRIO DO ESTADO
DE TOCANTINS. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO
DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA RAZOABILIDADE.
CONVALIDAÇÃO DOS EFEITOS JURÍDICOS.
SERVIDORA QUE JÁ SE ENCONTRA APOSENTADA.
RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. O poder-dever da
Administração de invalidar seus próprios atos encontra limite
temporal no princípio da segurança jurídica, pela evidente razão
de que os administrados não podem ficar indefinidamente
sujeitos à instabilidade originada do poder de autotutela do
Estado, e na convalidação dos efeitos produzidos, quando, em
razão de suas conseqüências jurídicas, a manutenção do ato
atenderá mais ao interesse público do que sua invalidação. 2. A
infringência à legalidade por um ato administrativo, sob o ponto
de vista abstrato, sempre será prejudicial ao interesse público;
por outro lado, quando analisada em face das circunstâncias do
caso concreto, nem sempre sua anulação será a melhor solução.
Em face da dinâmica das relações jurídicas sociais, haverá casos
em que o próprio interesse da coletividade será melhor atendido
com a subsistência do ato nascido de forma irregular. 3. O
poder da Administração, destarte, não é absoluto, de forma que a
recomposição da ordem jurídica violada está condicionada
primordialmente ao interesse público. O decurso do tempo ou a
convalidação dos efeitos jurídicos, em certos casos, é capaz de
11
tornar a anulação de um ato ilegal claramente prejudicial ao
interesse público, finalidade precípua da atividade exercida pela
Administração. 4. O art. 54 da Lei 9.784/99 funda-se na
importância da segurança jurídica no domínio do Direito
Público, estipulando o prazo decadencial de 5 anos para a
revisão dos atos administrativos viciosos (sejam eles nulos ou
anuláveis) e permitindo, a contrario sensu, a manutenção da
eficácia dos mesmos, após o transcurso do interregno
qüinqüenal, mediante a convalidação ex ope temporis, que tem
aplicação excepcional a situações típicas e extremas, assim
consideradas aquelas em que avulta grave lesão a direito
subjetivo, sendo o seu titular isento de responsabilidade pelo ato
eivado de vício. 5. Cumprir a lei nem que o mundo pereça é
uma atitude que não tem mais o abono da Ciência Jurídica, neste
tempo em que o espírito da justiça se apóia nos direitos
fundamentais da pessoa humana, apontando que a razoabilidade
é a medida sempre preferível para se mensurar o acerto ou
desacerto de uma solução jurídica. 6. O ato que investiu a
recorrente no cargo de Professora Nível IV, em 06.01.93, sem a
prévia aprovação em concurso público e após a vigência da
norma prevista no art. 37, II da Constituição Federal, é
induvidosamente ilegal, no entanto, a sua efetivação sob os
auspícios de legislação vigente à época, (em que pese sua
inconstitucionalidade), a aprovação de sua aposentadoria pelo
Tribunal de Contas, e o transcurso de mais de 5 anos, consolidou
uma situação fática para a qual não se pode fechar os olhos, vez
que produziu conseqüências jurídicas inarredáveis. Precedente
do Pretório Excelso. 7. A singularidade deste caso o extrema
de quaisquer outros e impõe a prevalência do princípio da
segurança jurídica na ponderação dos valores em questão
(legalidade vs segurança), não se podendo ignorar a realidade e
aplicar a norma jurídica como se incidisse em ambiente de
absoluta abstratividade. 8. Recurso Ordinário provido, para
assegurar o direito de a recorrente preservar sua aposentadoria
no cargo de Professor, nível IV, referência 23, do Estado do
Tocantins. (RMS 24339 / TO – Ministro Napoleão Nunes Maia
Filho – T5 - QUINTA TURMA – DJe 17/11/2008) grifos nossos
A invalidação dos atos administrativos, portanto, encontra
barreiras impostas pelo ordenamento jurídico, dentre as quais se insere a
observância aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.
Desse modo, considerando o decurso de certo lapso de tempo
(da prática do ato até a sua impugnação) e a indicação de que a manutenção
dos efeitos do ato nulo mostra-se menos gravosa do que sua
desconstituição, deve ser garantida a preservação dos atos ora impugnados.
12
Vale registrar, por oportuno, que os princípios em discussão
são aplicáveis perante qualquer ato, de qualquer poder.
Neste ponto, leciona J.J. CANOTILHO (in Direito
Constitucional e Teoria da Constituição – p. 250 – 1998, Almedina):
Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da
confiança – andam estreitamente associados a ponto de alguns
autores considerarem o princípio da proteção de confiança como
subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança
jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está
conexionada com elemento objetivos da ordem jurídica –
garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e
realização do direito – enquanto a proteção da confiança se
prende mais com os componentes subjetivas da segurança,
designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos
indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes
públicos. A segurança e a proteção da confiança exigem, no
fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência
dos atos do poder; (2) de forma que em relação a eles o
cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições
pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos.
Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da
proteção da confiança são exigíveis perante ‘qualquer ato’
de ‘qualquer poder’ – legislativo, executivo e judicial.”
Grifos nossos
Diante de todas essas considerações, certo é que o longo tempo
decorrido desde as contratações em questão consolidou uma situação fática
para a qual não se pode fechar os olhos.
Desse modo, do cotejo entre as peculiaridades do caso e a
incidência do princípio da segurança jurídica verifica-se que a preservação
dos atos impugnados é medida que se impõe.
Vale salientar, por oportuno, que não encontra qualquer
amparo nos autos a alegação do Ministério Público no sentido de que o
pleito se dirige ao ressarcimento ao erário, não se submetendo, assim, as
situações estabilizadoras do direito.
Isso porque a pretensão em questão limita-se ao
reconhecimento da impossibilidade de absorção dos agentes de vigilância
da Comlurb pela EMV – Guarda Municipal, não havendo qualquer
indicação de prejuízo ao erário.
13
Ademais, não há dúvida de que os agentes transferidos
efetivamente exerceram sua atividade junto a EMV, o que afasta qualquer
alegação quanto ao recebimento de vantagem indevida.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
Rio de Janeiro, 27 de agosto de 2013.
CLAUDIA TELLES
DESEMBARGADORA RELATORA
Nenhum comentário:
Postar um comentário